Ontem no Jornal Público foi publicado um artigo de opinião de Fernando Mora Ramos sobre o Orçamento do Estado para a Cultura (Pode ver o documento do OE aqui, e procure a Cultura na pg. 320). O artigo com os agradecimentos ao autor:
Cultura e Orçamento
José Sócrates assumiu publicamente que, se cometera um erro na legislatura anterior, fora o pouco apoio à cultura. Fazer a autocrítica foi surpresa num político cujo estilo é sempre afirmativo – adoçou a imagem nas eleições, José Gil explicou-o magistralmente no El País – e maior surpresa foi, comparando com o investimento na ciência, afirmar a necessidade do mesmo na cultura. Tivemos aí a medida do patamar financeiro que poderia vir a ser assumido como desígnio específico de um orçamento para a cultura em corte com o período do erro. Uma sensibilidade nascera com a experiência dos primeiros quatro anos. A cultura caminharia para a cidadania plena, iniciaria um calvário positivo de reconhecimento e rectificação regeneradora: as instituições culturais públicas estão descapitalizadas, sub-orçamentadas, esvaziadas de pessoas (equipas) e projectos, e a outra realidade, a da criação cultural de iniciativa civil não estatal, de inscrição constitucional para os seus protagonistas, resistindo, não vive para criar vida, tentando manter à tona modernamente um perfil de país que não entre definitivamente na lógica de país empresa, como se apenas tivéssemos pela frente dívida pública, desemprego, de um lado e do outro, salvadores da pátria com milagres de gestão e panaceia terapêutica nas grandes obras públicas, sempre infra-estruturais e nunca corajosamente programadas como a tal qualificação dos portugueses que, aliás, já não faz discurso. Da memória, da pátria, não se fala, nem da criação cultural como substância imaterial identitária e livre que nos espelhe o porvir, e da língua fala-se para dizer que é o grande negócio, ovo de Colombo – quem o diz não o explica bem ao Primeiro-Ministro, pois seria argumento mais repetido – ao lado dessa grande descoberta que são as indústrias criativas, do rato Mickey falado em português aos Lusíadas sem os cantos todos em super genial resumo para SMS.
Pegamos nas páginas do Orçamento, descarregando o PDF do Público (da 318 à 323) e não acreditamos. Não se trata apenas da negação da promessa de um aumento em corte significativo com o erro anterior – estamos agora nos 0,4%, ainda muito longe do melhor Carrilho (motivo para a vitalidade da sua condição referente), um para trás que continua velha nova meta. O que surpreende pela negativa é o descosido total de programa e argumentos, numa espécie de manta de retalhos cosida à pressa para acabar a escrita. Para além de se remeter para as últimas páginas – não é acaso, é posição – vem escrito num português técnico - deve ser o caso – mal amanhado, repetem-se os prevê-se e os pretende-se, na assunção inconsciente e reveladora de que é tudo vago e talvez venha a acontecer. Mas estranho é, ao falar das prioridades, língua, património e artes e indústrias criativas, que dizem ser três eixos (as artes são para acabar, subsidiárias das indústrias que, em Espanha, estão sob a alçada do Ministério da Indústria), proporem a uniformização do português como defesa da unidade da língua. Enfim lá vai a língua vestir uma farda e partir para um “novo Ultramar”. Da cultura contemporânea, dos que a fazem, dos artistas vivos, não se fala como fenómeno fundamental, não existe no orçamento para além de umas coisas vagas sobre fruição e formação. O Museu dos Coches e o CCB também não. Lá vamos …